sábado, 9 de janeiro de 2010

Ou Serra vence em 2010 ou não vence mais

Publicado originalmente em minha coluna no Congresso em Foco.



Cada vez mais me perguntam como vejo o panorama da sucessão presidencial de 2010.
Bem, até onde a minha vista (3,5 e 4 de miopia) alcança, parece-me que ou José Serra vence a eleição do ano que vem ou jamais conseguirá fazê-lo.

Se eu ainda fosse marxista (toc, toc, toc na madeira!), diria que nunca como agora as condições objetivas do processo histórico estiveram tão favoráveis ao governador paulista. Pelo Brasil afora, Serra é conhecido e reconhecido como político veterano, administrador competente e, o que é mais relevante para a grande maioria dos eleitores, “pai dos genéricos”.

Quanto à candidata de Lula, afirmei, em entrevista ao semanário Brasília em Dia em fevereiro, que Dilma Rousseff dificilmente decolaria acima do percentual de votos amealhados pelo seu chefe no tempo em que este perdia todas as eleições: algo em torno de um terço do eleitorado. Mais recentemente, Carlos Montenegro, do Ibope, em depoimento à Veja (“Lula não fará seu sucessor”), e Alberto Almeida, sociólogo, autor dos livros A cabeça do brasileiro, Por que Lula e A cabeça do eleitor (publicados pela Record), em uma de suas contribuições quinzenais para o suplemento cultural de fim de semana do Valor Econômico, corroboraram minha precisão.
O segundo analista, particularmente, acertou na mosca: em pleitos sem reeleição, como o de 2010, a pessoa do candidato, seu currículo de realizações, é o que mais conta. Já com a possibilidade de recondução, o que o eleitor mediano, essa figura elusiva criada pelos cientistas políticos americanos, mais leva em consideração é o governo do presidente que luta por mais quatro anos no poder.

Figuras como José Serra e Aécio Neves, prossegue Melo em seu raciocínio, estão há muito tempo sob os holofotes da mídia e o escrutínio da opinião pública, ambos com muitas realizações a mostrar. Quanto ao, digamos, currículo da ministra, o que dá para prever desde já é que a oposição vai deitar e rolar no seu passado de militante da luta armada, para não dizer terrorista, e nas suas, digamos novamente, problemáticas relações com a verdade. Como afirma o sociólogo, o eleitor olha para o retrato político de Dilma e não enxerga quase nada. Mãe do PAC, que até abril último havia entregado apenas 17% dos empreendimentos programados?… Afilhada do carismático presidente da República? Sinceramente, quando se trata de eleição presidencial, creio que os analistas políticos e o povo olham para lados opostos e veem coisas diferentes.
Às vezes, receio que nossos conhecimentos acadêmicos e nossa familiaridade com os bastidores do poder levem-nos a atribuir um peso exagerado a arranjos institucionais e forças impessoais como partidos, alianças, regras da Justiça Eleitoral e por aí vai, que pouco significam para o votante. Este se restringe ao que a propaganda eleitoral mostra na TV, consolida seus julgamentos sobre as candidaturas e faz a escolha final apoiado nos papos domingueiros com a família, nas peladas de fins de semana com os amigos ou nas conversas de boteco com os colegas do serviço.

Nesses contextos de interação direta, face a face, há sempre alguém que os demais membros do grupo acreditam gostar mais, saber mais de política, por acompanhar com assiduidade e atenção acima da média o noticiário e os comentários dos jornais, do rádio all news ou da TV por assinatura. (A esses formadores informais de opinião, o falecido sociólogo de Colúmbia Robert K. Merton, pai da técnica de pesquisa por grupos focais, chamava “influentes locais”. Veja o capítulo sobre influentes locais e influentes cosmopolitas em sua obra essencial, Sociologia: teoria e estrutura. Rio: Mestre Jou, 1970.)

Resultado: o eleitor comum é mais propenso a pensar que uma eleição é uma coisa e outra eleição, outra, o que descarta como pouco provável o milagre da transferência de votos aos ungidos ou ungidas pelos grandes líderes.

Trocando em miúdos, se foi bom com Lula, isso não significa que será ruim com Serra, ou com Aécio, por mais que o presidente da República invista seu capital carismático na tentativa de persuadir o povo de que – com perdão das feministas – Dilma é o cara.

Aliás, pesquisas recentes do Ibope e de outros institutos mostram que o povão tem um faro para a chamada política por trás das políticas públicas – the politics of public policy – às vezes superior ao dos pundits convidados aos programas de entrevistas: indagados se acreditam que o próximo presidente, seja quem for, acabará com o Bolsa Família, cerca de 80% dos seus beneficiários entrevistados cravam um confiante não! É mais uma política pública considerada como um dado da paisagem socioeconômica, conforme ocorreu antes com o real, que, graças ao compromisso anti-inflacionário legado por FHC e reafirmado por Lula, impede que o dinheirinho do Bolsa Família mantenha seu poder de compra e não vire pó instantâneo nas mãos dos seus recipiendários.

Caminhando para a conclusão, se os Estados Unidos têm a October surprise, aquele escândalo vazado um mês antes da eleição de novembro, capaz de inverter as tendências de intenção de voto, nós, brasileiros, temos o chamado fato novo, mais ou menos com os mesmos efeitos. Os montículos de dólares caprichosamente empilhados e fotografados pela Polícia Federal que arrasaram a candidatura Roseana Sarney em 2002 são o exemplo que logo vem à mente. Os mais velhos lembrarão ainda que a brevíssima candidatura Silvio Santos, articulada por três senadores da copa-e-cozinha do então presidente da República José Sarney (Edison Lobão, Hugo Napoleão e Marcondes Gadelha, todos do PFL), foi o único incidente que chegou a trincar a inabalável autoconfiança do candidato Fernando Collor em 1989.

Quais serão os fatos novos, aqueles inesperados que todos devemos esperar, da próxima eleição? Ainda estou montando uma listinha, em ordem decrescente de probabilidade, que até agora tem apenas três itens, a saber:
- Serra e Aécio se unem em chapa puro-sangue absolutamente invencível;- Henrique Meirelles, agora no PMDB e prestes a deixar a presidência do Banco Central, em princípio para concorrer ao governo de Goiás ou eleger-se senador, vira o delfim de Lula, substituindo, no meio da campanha, uma Dilma devastada pela recidiva do câncer linfático e com índices de preferência eleitoral em queda livre; e
- Marina Silva, do PV (ou Ciro Gomes, do PSB), chega ao segundo turno. Será que um dos dois ganha? Dificilmente.

Não quero posar de triunfalista retrospectivo, mas já correndo seriamente esse risco, sugiro aos meus escassos leitores que pesquisem na internet para ver se acham – e, se acharem, por gentileza, me repassem o link!! – as entrevistas realizadas pela Globo News/Brasília logo na sequência da primeira vitória de Lula, em 2002: ao que eu saiba, fui o único convidado que se arriscou a prever que Meirelles, recém-eleito deputado federal, o mais votado de Goiás, pelo PSDB, tinha boas chances de ser conduzido ao comando do BC.

Bola de cristal? Que nada, pura lógica! Se a permanência de Armínio Fraga sinalizava um excesso de continuísmo insuportável para o caudilho petista do “nunca antes na história deste país…”, e se Aloizio Mercadante era então o mais eminente dos economistas nos quadros do seu apedêutico partido, então se afigurava provável que a autoridade monetária pudesse ser dirigida por um outsider experiente e com forte prestígio perante a banca internacional. Não deu outra.
Por fim, depois de arriscar minha credibilidade em tantos vaticínios, descanso meus miolos no aconchego de uma constatação acaciana: seja quem for o próximo inquilino do Palácio do Planalto, o PMDB continuará sendo a espinha dorsal da base político-parlamentar de qualquer governo. Não sei por que ainda não surgiu algum gênio da marquetagem sugerindo a mudança da legenda para PDMN (Partido do Mal Necessário).

Paulo Kramer é cientista político e professor do Curso de Especialização em Análise Política e Relações Institucionais da Universidade de Brasília (UnB).

4 comentários:

  1. Fico lisonjeado com a oportunidade de deixar o primeiro "post" no blog do prof. Paulo Kramer, uma das mentes mais lúcidas do nosso tempo, dono de um patrimônio intelectual de raríssima extenção e de um humor tão inteligente quanto versátil.

    Muito embora já tenha lido esse texto quando de sua publicação no site congresso em foco , a releitura trouxe a minha mente alguns detalhes que me escaparam a princípio.

    Espero que aqui a discussão tenha um sorte melhor do que obteve no site congresso em foco , onde o nível dos comentários foi tão baixo que senti angustia só de pensar no Paulo tendo o desprazer de lê-los. Lá pelas tantas, um tal de João Guilherme abre o texto da seguinte maneira: "Ilustre professor Prof.P Kramer, sinto muito desapontá-lo, mas nem Serra, Dilma, serão eleitos ano que vem, tanto o PSDB como o PT, fizeram a maior carnificina da história política desse nosso Brasil, o PSDB no governo FHC, na criação do Fator Previdenciário e PT agora no governo Lula com essa política do reajuste da aposentadorias e pensões de quem ganha mais de um salário mínimo." Quando li nem sabia o que era mais repulsivo, se a forma ou o conteúdo.

    Mas, vamos ao que interessa. Acredito que o cenário para 2010 é mais imprevisível da parte dos tucanos que da parte dos petralhas. O intelectual por trás da campanha de Dilma será o mesmo que o das campanhas de Lula, ou seja, o assessor especial da presidência para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. A estratégia dele, pelo menos em suas linhas gerais, passará pela comparação dos resultados econômicos do governo Lula com os resultados obtidos pelo predecessor tucano. Não faltará também, é claro, a exaltação dos programas sociais do governo, sobretudo os se transferência de renda e seu respectivo impacto na redução da pobreza. Ora, pensaria o leitor mais atento, isso não seria uma campanha de um terceiro mandato de Lula? Poderia ser, mas não será. Dilma aparecerá vez por outra afirmando-se como continuadora da obra política de Lula. Falando francamente, não creio que Dilma será a protagonista de seu próprio horário eleitoral.

    O resto será política internacional e ataques ao PSDB. No primeiro tema Lula será apresentado como alguém que fez o Brasil ser ouvido e respeitado no exterior. No segundo tema o PSDB será acusado que querer privatizar as empresas públicas ainda existentes e dai em diante. Para mais detalhes é só torturar-se por alguns minutos lendo a revista PT Semanal (que é vendida nas bancas com o nome Carta Capital) . Sei que qualquer análise política de médio prazo já nasce sob suspeita, na medida em que precisa delinear um desenvolvimento dos acontecimentos conforme tendências observadas no passado e no presente; no fundo, é uma análise quase ceteris paribus .

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  3. (continuação)

    Mas, fazer o quê? Escândalos sexuais, morte, escândalo de corrupção as vésperas do pleito ou algum comentário especialmente infeliz fogem a nossa capacidade de previsão.
    Voltando a esfera política, creio que as cartas do PT já estão na mesa e que as do PSDB ainda são uma incógnita. Não me julgo apto a indicar qual será o discurso, as prioridades e a estratégia da campanha de José Serra. O óbvio seria fazer propaganda da administração do tucano no estado de São Paulo, mas em termos práticos isso só seria o suficiente para levantar o vôo; para chegar ao Palácio do Planalto Serra precisaria de mais combustível político.
    Só sei de uma coisa: se o PSDB quiser ganhar nesse ano, terá de aprender com os erros da derrota de 2006. Tudo bem que muita gente deu de ombros para a derrota de Alckmin, mas ainda assim sobrevivem alguns dilemas daquela campanha. O principal deles é a postura do PSDB diante da administração FHC.
    Assumir ou se esquivar do legado dele: eis a questão. Eu ficaria com a primeira opção. A segunda questão é a comparação entre os resultados econômicos de Lula e de FHC.(Mais uma vez o erro do PSDB em não explicar as justificativas e os efeitos da privatização virão a tona). Fugir ao confronto estatístico, ou elevar o nível intelectual da discussão: eis outra questão. Eu ficaria com a segunda opção e mostraria a continuidade da política monetária, o cenário externo favorável na maior parte do tempo. Quanto a medidas do governo diante das crises econômicas (os petistas farão essa comparação), eu mostraria que a crise atual não é tão prejudicial aos países em desenvolvimento como aquelas dos anos 90.
    Mas, acima de tudo, o PSDB precisará explorar a esquerdização da política externa brasileira. A cumplicidade com o tirano Hugo Chavez e seus pupilos deve ser explorada em suas minúcias. Para os petralhas, governo autoritário pode, desde que seja de esquerda...
    Essas são, em resumo como pedem os posts em blogs, meus adendos à valiosa análise do prof Paulo Kramer.

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  4. Ainda é muito cedo,amigos nos ainda poderemos ver uma reviravolta.afinal quem compra carro novo em 2009 por conta de ipi reduzido quer troca-lo em 2010. isto é palavra de um cidadão,que vai como os outros milhões de eleitores, e que cá pra nós não lé muito artigo de opinadores e criticadores da vida ,votamos sim se vemos trabalho bem feito , na nossa rua , no bairro e dentro de casa!!!!!!!!

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